Desde muito nova eu ouvia em casa que ser independente financeiramente era importante. Fui incentivada a estudar, escolher uma carreira, comecei a trabalhar com 18 anos, e com 23 eu já tinha conseguido um trabalho em São Paulo.
Busquei minha independêcia e sempre me preocupei com minhas finanças, me lembro de um curso de finanças pessoais que encontrei disponível gratuitamente na internet. Tenho as anotações até hoje e aplico as noções básicas até hoje.
Demorei anos para responder às pessoas o motivo certo da minha vinda aos Estados Unidos. Sim, eu tinha vergonha de dizer que vim por amor. Quem no mundo de hoje, feminista, dona do próprio nariz, se muda de país por causa de alguém? Pois é, isso era difícil pra mim.
E olha que eu vim sem vínculo legal a ele. Quando me mudei eu ainda era solteira, nos casamos depois de um ano morando juntos em Los Angeles. Eu fiz questão de pagar pela minha alimentação, transporte e ter o meu próprio visto. Gente! Como isso era importante pra mim.
Foi depois de 6 anos morando aqui que precisei me render ao famoso “visto de esposa” e me ver sem poder trabalhar. Para alguns isso pode parecer uma coisa boa, mas para mim soava como prisão, eu já me sentia um pouco limitada com um visto que permitia trabalho em apenas uma empresa, imagine agora que eu não podia trabalhar e ter meu salário!
Você pode me dizer, ah você poderia trabalhar de várias outras formas, tantos lugares aceitam trabalho informal. Sim, é verdade. E acho muito bom que isso seja uma alternativa que ajuda muitas pessoas aqui nos Estados Unidos. Mas, esse modelo de trabalho não era algo que me interessava.
Pra mim, esse momento significava oportunidades. Eu pensava bom, deixa então eu testar algumas coisas que tenho vontade de fazer e daí descubro o que é ou não pra mim. A primeira coisa que busquei foi promover eventos. Produzir mesmo uma festa, no caso, uma Festa Junina com a intenção de arrecadar fundos para uma ONG. Eu não queria que fosse qualquer ONG eu queria que tivesse a ver comigo. E assim, encontrei a Esperanza uma organização que trabalhando oferecendo asistência jurídica para as pessoas que precisam solicitar o visto de asilado.
Foram dois anos promovendo a Festa Junina, onde eu uni meu amor pelo Brasil com uma causa que eu realmente acredito. Foi um sucesso, arrecadamos bastante e meus convidados se divertiram muito. Você pode pensar então, que eu seguiria esse caminho, promovendo eventos para entidades, na verdade, não, na prática o processo todo não me trazia a satisfação que eu buscava.
Daí me inscrevi como voluntária na lojinha de livros da biblioteca de South Pasadena. Esse bairro, na minha opinião é igual aos filmes, tudo é bonito, organizado, limpo, onde as crianças podem andar pelas ruas sozinhas e todo mundo parece de bem com a vida. Eu sei, calma, calma, eu só disse que parece filme, mas eu sei que isso é só uma impressão, uma tarde feliz na vida dessas pessoas. E por isso mesmo eu gostava muito de passear por lá e observar as pessoas.
A biblioteca de South Pas (sim é assim que se fala) é pequena, mas muito acolhedora e os meus horários eram terças-feiras de manhã e quinta à noite na hora da feira. Ah como eu gostava. Os livros ali vendidos eram doações de moradores e vendidos a preços bem mais baixos e tudo o que é arrecado é usado na manutenção da biblioteca.
Eu já conhecia a maioria dos clientes, conversava com cada um deles, me lembrava de seus novos e até ganhava presentes deles. Eu me identifiquei como vendedora, ainda mais de livros! Me sentia a pessoa de mais sorte, pois eu unia meu amor por livros e gente!
Mas, ainda assim, esse não foi o caminho que segui, até me inscrevi para algumas bagas em bibliotecas, mas nunca fui chamada.
Foi então que em 2020 quando conheci a Márcia, minha primeira parceira no podcast, na verdade, ela também é uma das fundadoras e eu tenho certeza de que sem ela esse podcast não seria o mesmo. Nesse momento unimos conhecimentos diferentes que se completavam, ela formada em jornalismo, eu em produção de filme e TV juntas criamos o Com Sotaque. Agora sim, eu encontrei o meu lugar!
Contei toda essa trajetória para exemplificar o quanto demora para encontrarmos o nosso rumo, aquilo que nos fará sentir que estamos caminhando em direção ao que fará sentido à nossa vida e à nossa independência financeira.
Quantas de nós saem de seus países (pelo motivo que seja) também sem o direito de trabalhar? Sentindo que precisam se refazer, se reencontrar? E veja que digo isso não no mal sentido, apenas no sentido de que será necessário começar do zero mais uma vez.
Dentro da realidade de mulher imigrante impedidas do direito escolha entre trabalhar ou não, muitas de nossas inseguranças se ressaltam podendo nos deixar imobilizadas por um tempo.
Assim, mais importante do que discursos de independência financeira e feminismo, se permita ser a mulher imigrante que é, seja sabendo o que deseja fazer, seja indo em busca do que quer fazer. Desde que essa fase não te paralize, não te deprima, e nem, por um instante, te faça sentir desvalorizada tá tranquilo pois é parte da mudança. O trabalho como carreira importa, sim, muito, mas já temos motivos para nos orgulhamos de onde estamos e como estamos.
Se quiser ouvir um pouco mais sobre esse assunto clique aqui para conhecer a história da Dani, o primeiro episódio da sexta temporada.
Caso queira trocar mais me escreva, vou adorar te conhecer.
Com carinho,
Natalia